PARTICIPAÇÃO DE
ESTUDANTES DO PROCAMPO/UNEAL NA I FEIRA DA REFORMA AGRÁRIA EM
ARAPIRACA: ESPAÇO DE TROCA E PRODUÇÃO1
André Teixiera - Assentado e membro do Coletivo de Educação do MST, estudante no
curso de Serviço Social da Universidade Federal do Ceará
(PRONERA)
Fotos: Gustavo Marinho
Fotos: Gustavo Marinho
CONHECENDO O PROCAMPO/UNEAL
O Curso de
Licenciatura em Educação do Campo faz parte do Programa de Formação
de Professores do Campo - PROCAMPO criado pelo governo federal e
executado pela Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL desde 2011. A
primeira turma de estudantes é composta por professores das redes
públicas de escolas localizadas no campo do agreste alagoano e
pessoas ligadas aos movimentos sociais, abrangendo os municípios de
Girau do Ponciano, Teotônio Vilela, Maribondo, Coité do Nóia,
Jaramataia, Junqueiro, Igaci, Palmeira dos Índios e Arapiraca.
O estado de Alagoas
mantém características eminentemente rurais, seja nos povoados, nos
centros dos municípios em sua maioria de porte pequeno, ou nas
regiões denominadas rurais, constituindo uma identidade
característica dos povos do campo na maioria dos municípios,
inclusive no entorno de Arapiraca.
A cidade de
Arapiraca está localizada no agreste alagoano, região privilegiada
por possuir condições de solo adequadas ao cultivo agrícola. É
também uma região conhecida pela divisão da terra em pequenas e
médias propriedades, característica intensificada pela luta de
milhares de famílias em defesa da Reforma Agrária, contribuindo
para a diversificação e organização coletiva da produção.
Nesse contexto, o
Curso de Licenciatura em Educação do Campo é a experiência
pioneira de formação de professores do campo em nível de graduação
em Alagoas. Uma turma com 56 estudantes-professores (O termo estudantes-professores foi adotado para contemplar as
características do perfil do grupo, qual seja a de pessoas que ao
mesmo tempo são estudantes universitários e encontram-se já em
exercício em salas de aula ou demais espaços de educação.) deverá ser concluída em 2015, a expectativa é a de que este se
torne um curso permanente e com novas turmas anuais na UNEAL.
A educação do
campo, termo cunhado pelos movimentos sociais2
como a pedagogia que deve buscar a emancipação humana através da
formação na práxis pauta-se na educação popular como
instrumento. A apropriação do conhecimento acumulado e a produção
de conhecimento sistematizado pela classe trabalhadora são
ferramentas fundamentais para a construção de uma sociedade onde
haja igualdade e justiça social.
O trabalho é um dos
princípios educativos da educação do campo. A maneira como
concebemos o mundo e a construção do conhecimento acumulado pela
humanidade, traduzem um projeto determinado de sociedade que
almejamos construir. Ao longo da história o método de fazer
ciência, de construir conhecimento, as técnicas e, sobretudo o modo
de produção, determinam a relação que estabelecemos entre homens
e mulheres e com o meio ambiente.
O ato de intervir e
transformar a natureza para sua perpetuação faz do trabalho a
essência do ser humano. Nesse sentido é importante que reconheçamos
no homem a natureza, compreendendo-nos como a própria natureza, e o
meio (ambiente) como uma extensão de si mesmo, mediada pelo
trabalho, qual seja: o ato de planejar e executar uma ação, que
inevitavelmente terá reflexos. Esta é a função formativa do
trabalho: a objetivação e humanização do homem. A relação entre
trabalho e educação está colocada na medida em que o homem ao se
transformar também se educa.
O princípio
educativo do trabalho fundamenta-se nessa relação: homem/natureza,
numa perspectiva dialética e histórica em relação à
transformação em um contexto determinado e específico como parte
de um todo.
TRABALHO E PEDAGOGIA DA ALTERNÃNCIA
A pedagogia da
alternância é o eixo estruturante do PROCAMPO – UNEAL, concepção
que surge na França em 1935, a pedagogia da alternância é parte da
demanda de famílias rurais vinculadas ao sindicato e que propunham
uma educação voltada para a realidade do campo com enfoque na
formação integral e no desenvolvimento local.
A experiência de
origem francesa surge no Brasil, tendo sua primeira experiência em
Arapiraca, em 1981, durante um curto período de tempo (RIBEIRO,
2008). Em seguida há uma experiência no Espirito Santo. (RIBEIRO,
2008)
Nas últimas décadas
a pedagogia da alternância tem sido a estrutura construída pela
pedagogia dos movimentos sociais de luta por terra e da Educação do
Campo, buscando estreitar os vínculos entre a educação e o
trabalho, entre a escola e a comunidade, entre o que se aprende e o
que se faz na prática e fundamentalmente aponta para a não
separação entre teoria e prática.
Nesse
sentido, a pedagogia da alternância estrutura-se em tempos de
aprendizagem compostos pelo Tempo Escola e Tempo Comunidade. O
primeiro se realiza na própria escola ou centros de formação, a
partir de debates, leituras, e diálogo direto com o educador com o
objetivo de realizar elaborações sobre a prática e a realidade na
qual estão inseridos.
No Tempo Comunidade,
os educandos retornam às suas comunidades a fim de colocar em
prática os aprendizados do Tempo Escola, neste momento retornam à
prática, para observação, para a realização de diagnósticos
direcionados e para a concretização de projetos e intervenção em
seu ambiente. A pedagogia da alternância tem se apresentado como uma
possibilidade de estruturação dos tempos da educação do campo,
respeitando a cultura e as práticas dos agricultores, vinculando a
educação aos tempos da vida concreta e da aprendizagem como um
processo contínuo e permanente.
A partir deste
referencial foi realizado o Tempo Comunidade do Curso de Licenciatura
em Educação do Campo na I Feira da Reforma Agrária de Arapiraca.
CONTEXTUALIZANDO
A FEIRA DA REFORMA AGRÁRIA
A Feira da Reforma
Agrária, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) está em sua 14ª edição anual em Maceió e teve este
ano a 1ª edição no município de Arapiraca, região do agreste
alagoano. A Feira é construída por assentados e acampados de áreas
da Reforma Agrária do estado de Alagoas, trabalhadores rurais que
vão para a cidade comercializar diretamente os produtos frutos da
distribuição de terras desde a resistência camponesa através das
ocupações de terra, símbolo de sua luta.
A Feira é o espaço
de socialização destes frutos e de diálogo com a população da
cidade, tendo como mote: “Reforma Agrária - gerando trabalho e
produzindo alimentos”, a Feira dialoga com as pessoas através de
uma questão central na estrutura do sistema político e econômico
da sociedade: a distribuição da terra. Através desse eixo, que
subentende o trabalho e a produção do alimento, a Feira proporciona
alimentos saudáveis SEM o uso dos agrotóxicos, característico do
modelo do agronegócio baseado em grandes latifúndios, monocultura e
o uso de alta tecnologia e essencialmente para exportação. Os
trabalhadores Sem Terra (Sem Terra, em referência a identidade constituída e autodenominada
no movimento social (MST),
através da luta pela reforma agrária, significam a feira como uma
prestação de contas para a sociedade de que a Reforma Agrária não
só pode dar certo como também é necessária.
A feira se destaca
também pela tabela de preços abaixo do mercado, consequência da
eliminação da figura do atravessador e da venda direta do produtor
ao consumidor final.
A palavra de ordem: “Se o campo não planta, a cidade não janta!”
ganha contorno, cores e cheiros na Feira que se instala geralmente
num local central da cidade.
Para a militante do
MST Débora Nunes, “As feiras da Reforma Agrária são uma forma de
diálogo privilegiada do Movimento com a sociedade, pois nelas toda
população vê materializada, pode tocar, cheirar, o fruto das lutas
que promovemos durante todo o ano. Cada ocupação de terra, cada
marcha possibilita que tragamos à cidade e às feiras locais a
produção de base orgânica, que alimenta e dá saúde a todos”.
Além dos produtos
da agricultura, os assentados trazem também os frutos da educação
do campo, da saúde, da agroecologia e da cultura, a partir da
concepção de que a Reforma Agrária não é apenas a distribuição
da terra, mas também, tudo o que é necessário para o bem viver de
um povo.
AULA NA FEIRA:
ESPAÇO DE FORMAÇÃO
A Feira ocorreu
durante os dias 16, 17 e 18 de outubro de 2013, na Praça Ceci Cunha
em Arapiraca, e reuniu dezenas de agricultores de todas as regiões
do estado e toneladas de alimentos vindos de assentamentos e
acampamentos da Reforma Agrária.
Durante a Feira são
realizadas na Tenda da Educação Popular, rodas de conversa abertas
a todos os visitantes nas quais são debatidos os diversos temas
relacionados à
reforma agrária e soberania alimentar, saúde, agroecologia entre
outros, junto com assentados da coordenação estadual do MST e
convidados.
Os
estudantes do PROCAMPO participaram de quatro Rodas de Conversa como
parte do Tempo Comunidade do curso, nas quais discutiram os seguintes
temas:
- Reforma Agrária e a luta pela terra
- Saúde e o uso de Agrotóxicos
- Troca de Experiências em Educação do Campo
- Cultura e Teatro do Oprimido.
Na
roda sobre a Luta
pela terra e a Reforma Agrária,
estiveram presentes além dos estudantes do PROCAMPO, estudantes da
UFAL e os assentados do MST: Renildo, André, José Neto e Fernando –
Tiririca. Todos os presentes expuseram sua história e relataram o
que pensavam sobre a questão da terra e da reforma agrária. Essa
dinâmica propiciou que todos pudessem contribuir no debate e gerou
uma rica troca de experiências, apontando principalmente a
identidade que existe entre os trabalhadores, sejam eles organizados
em movimentos ou não, e a urgência de que se unam para que sejam
conquistados avanços nas condições de vida das pessoas que vivem e
trabalham no campo.
O
debate apontou ainda para a importância da organização nos
povoados e sítios em torno de questões como a água, a escola, os
transportes, as estradas, a energia, e a própria questão da terra,
reforçando a função da luta pela e da organização popular na
transformação da sociedade.
No
segundo dia, o debate sobre a Saúde
e o uso de agrotóxicos,
teve como participantes o Prof. Jhonatan da UNEAL, os Técnicos
Agrícolas: Marcone e Edilson, Jaime do MST de Sergipe, as estudantes
Ana da Hora e Ana Alves do Curso Técnico em Saúde e Meio Ambiente
realizado pelo PRONERA e MST no Ceará, além de assentados
participantes da Feira e os estudantes do PROCAMPO. Seguindo a mesma
dinâmica da primeira roda todos os participantes expuseram sobre a
sua relação com a questão e como se configurava a realidade em
cada comunidade em relação a produção na agricultura e com a
saúde.
A
existência de um modelo dominante da monocultura em grandes
latifúndios aliada à lógica da exportação traz consequências
com o uso do agrotóxico e do modelo de organização sócio
econômico às populações que vivem no campo e nesse sentido
constatou-se uma grande dificuldade no que diz respeito ao uso de
alternativas aos agrotóxicos no que vale ressaltar as importantes
contribuições dos técnicos no sentido de apontar saídas simples e
caseiras no combate às pragas e fungos que podem atingir a
plantação.
Os
efeitos do
uso do agrotóxico na saúde foram bastante relembrados, assim como a
necessidade da produção de alimentos saudáveis e o resgate de
práticas integradas e naturais de saúde, características dos povos
do campo. Por fim, os presentes apontaram propostas de trocas de
informações com os técnicos do MST nos povoados, sítios e
assentamentos.
Durante
a roda de conversa de Troca
de Experiências em Educação do Campo,
o tema central debatido foi sobre a importância de ocupar o
latifúndio do conhecimento e a educação como um direito de todos,
bem como a necessidade de uma educação voltada aos interesses da
classe trabalhadora principalmente do campo.
Estiveram
presentes as experiências do MST com a apresentação pelo/as
assentados/as das Escolas Itinerantes, Saberes da Terra e Ciranda
Infantil além da pedagogia construída a partir das experiências
durante a trajetória do movimento, a experiência da Escola Agrícola
São Francisco de Assis - Junqueiro, apresentada pelo estudante do
PROCAMPO José Aldo. Apresentando a experiência do PROCAMPO, as
estudantes Claudiene da Hora e Josefa e a Experiência de Formação
continuada para agricultores com base no uso de produtos orgânicos,
conservação de sementes, sementes crioulas, recursos hídricos,
cuidados com o meio ambiente e Educação Financeira, pela estudante
do Regina.
A
estudante Aparecida Porto relatou a experiência do projeto
“Conhecendo nosso município” – Coité do Nóia e por último a
experiência “Ação – Formação em Educação Contextualizada e
agroecologia – Juventude e Desafios”. A Professora Ivana (UNEAL -
PROCAMPO) ajudou a mediar o debate ressaltando a importância dos
momentos de troca de experiência e do trabalho coletivo.
Para
finalizar as atividades no terceiro dia foi realizada a oficina de
Teatro do Oprimido, com o professor e militante Gladyson na qual os
participantes vivenciaram a prática do teatro do invisível, baseada
na obra de Augusto Boal.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A reflexão acerca
do papel do homem e da mulher no projeto de um desenvolvimento
sustentável que proponha outras formas de relação entre os seres
humanos e com a natureza é urgente nos tempos atuais.
Ao longo da história
a humanidade tem produzido os meios para sua sobrevivência, no
entanto, o modelo de produção engendrado nas relações sociais e
na base da economia, tem colocado em cheque a sua própria
existência. Trazendo à pauta a finitude dos recursos naturais, além
da própria necessidade de construção de um modelo de produção
pautado em bases agroecológicas, de soberania alimentar, no qual o
ar, a água, os solos, ecossistemas e espécies não sejam tomados
como meios para acumulação indiscriminada e particular de riqueza.
Por fim, em tempos
em que a universidade pública brasileira e a ciência podem ser um
instrumento a reprodução ou transformação da sociedade, é
importante que os professores-estudantes do PROCAMPO tenham em suas
perspectivas a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão
e busquem olhar para dentro de sua realidade, aos lados, por trás e,
sobretudo, enxergar o que não se vê através do que se toca.
Enfrentar o desafio
de buscar uma análise do ponto de vista materialista histórico,
compreender a realidade em que estamos inseridos, ir além do
aparente, além do território, do sustentável, da participação,
do diálogo, da comunidade, da diversidade, além da uma única
dimensão e disseca-la em busca de sua essência. Para então buscar
uma movimentação, tática e estratégica, de intervenção sempre
vinculada as mudanças concretas na vida das pessoas e em sua própria
formação.
A formação dos
educadores do campo deve estar essencialmente vinculada às
transformações necessárias para a construção de uma sociedade
mais justa. Nesse sentido, os estudantes avaliaram a experiência
como uma rica troca de saberes, e de acúmulo de novos conhecimentos.
A aproximação com os movimentos sociais é fundamental na
articulação entre as populações do campo e com a cidade, portanto
na formação do educador do campo.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
KOLLING,
E. J.; Nery, I.; Molina, M. C. Por
uma educação básica do campo (memória).
Brasília: Articulação Nacional por uma Educação do Campo, 1999.b
NETTO,
José Paulo. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo:
Expressão Popular,
2011
(64p.)
RIBEIRO,
Marlene. Pedagogia da alternância na educação rural/do campo:
projetos em disputa
Educação
e Pesquisa, Vol. 34, Núm. 1, enero-abril, 2008, pp. 27-45,
Universidade de São Paulo. Brasil.
NOTAS IMPORTANTES
1
Por se tratar de uma experiência construída através da vivência
coletiva e do acúmulo e história do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra e da Equipe do PROCAMPO este relato tem caráter
coletivo devendo ser creditado a estes sujeitos coletivos tendo
apenas sido sistematizada neste texto.
2. Os movimentos sociais do campo são considerados os sujeitos
originários do conceito de educação do campo. Para ver mais sobre
a história da educação do campo ver: Caldart, Roseli Salete.
Educação do Campo: notas para uma análise de percurso. 2008 e
ALENTEJANO, Paulo. CALDART, Roseli, BRASIL, Isabel FRIGOTTO,
Gaudêncio. Dicionário da Educação do Campo. Expressão Popular,
2012.
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