segunda-feira, 25 de novembro de 2013

TC Especial I - I Feira da Reforma Agrária do MST em Arapiraca.








PARTICIPAÇÃO DE ESTUDANTES DO PROCAMPO/UNEAL NA I FEIRA DA REFORMA AGRÁRIA EM ARAPIRACA: ESPAÇO DE TROCA E PRODUÇÃO1

Luana Pommé - Membro do Coletivo de Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Especialista em Trabalho, Educação e Movimentos Sociais FIOCRUZ/ENFF e professora da UNEAL no PROCAMPO
André Teixiera - Assentado e membro do Coletivo de Educação do MST, estudante no curso de Serviço Social da Universidade Federal do Ceará (PRONERA)
Fotos: Gustavo Marinho
CONHECENDO O PROCAMPO/UNEAL

O Curso de Licenciatura em Educação do Campo faz parte do Programa de Formação de Professores do Campo - PROCAMPO criado pelo governo federal e executado pela Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL desde 2011. A primeira turma de estudantes é composta por professores das redes públicas de escolas localizadas no campo do agreste alagoano e pessoas ligadas aos movimentos sociais, abrangendo os municípios de Girau do Ponciano, Teotônio Vilela, Maribondo, Coité do Nóia, Jaramataia, Junqueiro, Igaci, Palmeira dos Índios e Arapiraca.
O estado de Alagoas mantém características eminentemente rurais, seja nos povoados, nos centros dos municípios em sua maioria de porte pequeno, ou nas regiões denominadas rurais, constituindo uma identidade característica dos povos do campo na maioria dos municípios, inclusive no entorno de Arapiraca.
A cidade de Arapiraca está localizada no agreste alagoano, região privilegiada por possuir condições de solo adequadas ao cultivo agrícola. É também uma região conhecida pela divisão da terra em pequenas e médias propriedades, característica intensificada pela luta de milhares de famílias em defesa da Reforma Agrária, contribuindo para a diversificação e organização coletiva da produção.
Nesse contexto, o Curso de Licenciatura em Educação do Campo é a experiência pioneira de formação de professores do campo em nível de graduação em Alagoas. Uma turma com 56 estudantes-professores (O termo estudantes-professores foi adotado para contemplar as características do perfil do grupo, qual seja a de pessoas que ao mesmo tempo são estudantes universitários e encontram-se já em exercício em salas de aula ou demais espaços de educação.) deverá ser concluída em 2015, a expectativa é a de que este se torne um curso permanente e com novas turmas anuais na UNEAL.
A educação do campo, termo cunhado pelos movimentos sociais2 como a pedagogia que deve buscar a emancipação humana através da formação na práxis pauta-se na educação popular como instrumento. A apropriação do conhecimento acumulado e a produção de conhecimento sistematizado pela classe trabalhadora são ferramentas fundamentais para a construção de uma sociedade onde haja igualdade e justiça social.
O trabalho é um dos princípios educativos da educação do campo. A maneira como concebemos o mundo e a construção do conhecimento acumulado pela humanidade, traduzem um projeto determinado de sociedade que almejamos construir. Ao longo da história o método de fazer ciência, de construir conhecimento, as técnicas e, sobretudo o modo de produção, determinam a relação que estabelecemos entre homens e mulheres e com o meio ambiente.
O ato de intervir e transformar a natureza para sua perpetuação faz do trabalho a essência do ser humano. Nesse sentido é importante que reconheçamos no homem a natureza, compreendendo-nos como a própria natureza, e o meio (ambiente) como uma extensão de si mesmo, mediada pelo trabalho, qual seja: o ato de planejar e executar uma ação, que inevitavelmente terá reflexos. Esta é a função formativa do trabalho: a objetivação e humanização do homem. A relação entre trabalho e educação está colocada na medida em que o homem ao se transformar também se educa.
O princípio educativo do trabalho fundamenta-se nessa relação: homem/natureza, numa perspectiva dialética e histórica em relação à transformação em um contexto determinado e específico como parte de um todo.

TRABALHO E PEDAGOGIA DA ALTERNÃNCIA

A pedagogia da alternância é o eixo estruturante do PROCAMPO – UNEAL, concepção que surge na França em 1935, a pedagogia da alternância é parte da demanda de famílias rurais vinculadas ao sindicato e que propunham uma educação voltada para a realidade do campo com enfoque na formação integral e no desenvolvimento local.
A experiência de origem francesa surge no Brasil, tendo sua primeira experiência em Arapiraca, em 1981, durante um curto período de tempo (RIBEIRO, 2008). Em seguida há uma experiência no Espirito Santo. (RIBEIRO, 2008)
Nas últimas décadas a pedagogia da alternância tem sido a estrutura construída pela pedagogia dos movimentos sociais de luta por terra e da Educação do Campo, buscando estreitar os vínculos entre a educação e o trabalho, entre a escola e a comunidade, entre o que se aprende e o que se faz na prática e fundamentalmente aponta para a não separação entre teoria e prática.
Nesse sentido, a pedagogia da alternância estrutura-se em tempos de aprendizagem compostos pelo Tempo Escola e Tempo Comunidade. O primeiro se realiza na própria escola ou centros de formação, a partir de debates, leituras, e diálogo direto com o educador com o objetivo de realizar elaborações sobre a prática e a realidade na qual estão inseridos.
No Tempo Comunidade, os educandos retornam às suas comunidades a fim de colocar em prática os aprendizados do Tempo Escola, neste momento retornam à prática, para observação, para a realização de diagnósticos direcionados e para a concretização de projetos e intervenção em seu ambiente. A pedagogia da alternância tem se apresentado como uma possibilidade de estruturação dos tempos da educação do campo, respeitando a cultura e as práticas dos agricultores, vinculando a educação aos tempos da vida concreta e da aprendizagem como um processo contínuo e permanente.
A partir deste referencial foi realizado o Tempo Comunidade do Curso de Licenciatura em Educação do Campo na I Feira da Reforma Agrária de Arapiraca.

CONTEXTUALIZANDO A FEIRA DA REFORMA AGRÁRIA

A Feira da Reforma Agrária, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está em sua 14ª edição anual em Maceió e teve este ano a 1ª edição no município de Arapiraca, região do agreste alagoano. A Feira é construída por assentados e acampados de áreas da Reforma Agrária do estado de Alagoas, trabalhadores rurais que vão para a cidade comercializar diretamente os produtos frutos da distribuição de terras desde a resistência camponesa através das ocupações de terra, símbolo de sua luta.
A Feira é o espaço de socialização destes frutos e de diálogo com a população da cidade, tendo como mote: “Reforma Agrária - gerando trabalho e produzindo alimentos”, a Feira dialoga com as pessoas através de uma questão central na estrutura do sistema político e econômico da sociedade: a distribuição da terra. Através desse eixo, que subentende o trabalho e a produção do alimento, a Feira proporciona alimentos saudáveis SEM o uso dos agrotóxicos, característico do modelo do agronegócio baseado em grandes latifúndios, monocultura e o uso de alta tecnologia e essencialmente para exportação. Os trabalhadores Sem Terra (Sem Terra, em referência a identidade constituída e autodenominada no movimento social (MST), através da luta pela reforma agrária, significam a feira como uma prestação de contas para a sociedade de que a Reforma Agrária não só pode dar certo como também é necessária.

A feira se destaca também pela tabela de preços abaixo do mercado, consequência da eliminação da figura do atravessador e da venda direta do produtor ao consumidor final. A palavra de ordem: “Se o campo não planta, a cidade não janta!” ganha contorno, cores e cheiros na Feira que se instala geralmente num local central da cidade.
Para a militante do MST Débora Nunes, “As feiras da Reforma Agrária são uma forma de diálogo privilegiada do Movimento com a sociedade, pois nelas toda população vê materializada, pode tocar, cheirar, o fruto das lutas que promovemos durante todo o ano. Cada ocupação de terra, cada marcha possibilita que tragamos à cidade e às feiras locais a produção de base orgânica, que alimenta e dá saúde a todos”.
Além dos produtos da agricultura, os assentados trazem também os frutos da educação do campo, da saúde, da agroecologia e da cultura, a partir da concepção de que a Reforma Agrária não é apenas a distribuição da terra, mas também, tudo o que é necessário para o bem viver de um povo.

AULA NA FEIRA: ESPAÇO DE FORMAÇÃO

A Feira ocorreu durante os dias 16, 17 e 18 de outubro de 2013, na Praça Ceci Cunha em Arapiraca, e reuniu dezenas de agricultores de todas as regiões do estado e toneladas de alimentos vindos de assentamentos e acampamentos da Reforma Agrária. 
Durante a Feira são realizadas na Tenda da Educação Popular, rodas de conversa abertas a todos os visitantes nas quais são debatidos os diversos temas relacionados à reforma agrária e soberania alimentar, saúde, agroecologia entre outros, junto com assentados da coordenação estadual do MST e convidados.
Os estudantes do PROCAMPO participaram de quatro Rodas de Conversa como parte do Tempo Comunidade do curso, nas quais discutiram os seguintes temas:
  • Reforma Agrária e a luta pela terra
  • Saúde e o uso de Agrotóxicos
  • Troca de Experiências em Educação do Campo
  • Cultura e Teatro do Oprimido.
Na roda sobre a Luta pela terra e a Reforma Agrária, estiveram presentes além dos estudantes do PROCAMPO, estudantes da UFAL e os assentados do MST: Renildo, André, José Neto e Fernando – Tiririca. Todos os presentes expuseram sua história e relataram o que pensavam sobre a questão da terra e da reforma agrária. Essa dinâmica propiciou que todos pudessem contribuir no debate e gerou uma rica troca de experiências, apontando principalmente a identidade que existe entre os trabalhadores, sejam eles organizados em movimentos ou não, e a urgência de que se unam para que sejam conquistados avanços nas condições de vida das pessoas que vivem e trabalham no campo. 
O debate apontou ainda para a importância da organização nos povoados e sítios em torno de questões como a água, a escola, os transportes, as estradas, a energia, e a própria questão da terra, reforçando a função da luta pela e da organização popular na transformação da sociedade.

No segundo dia, o debate sobre a Saúde e o uso de agrotóxicos, teve como participantes o Prof. Jhonatan da UNEAL, os Técnicos Agrícolas: Marcone e Edilson, Jaime do MST de Sergipe, as estudantes Ana da Hora e Ana Alves do Curso Técnico em Saúde e Meio Ambiente realizado pelo PRONERA e MST no Ceará, além de assentados participantes da Feira e os estudantes do PROCAMPO. Seguindo a mesma dinâmica da primeira roda todos os participantes expuseram sobre a sua relação com a questão e como se configurava a realidade em cada comunidade em relação a produção na agricultura e com a saúde.

A existência de um modelo dominante da monocultura em grandes latifúndios aliada à lógica da exportação traz consequências com o uso do agrotóxico e do modelo de organização sócio econômico às populações que vivem no campo e nesse sentido constatou-se uma grande dificuldade no que diz respeito ao uso de alternativas aos agrotóxicos no que vale ressaltar as importantes contribuições dos técnicos no sentido de apontar saídas simples e caseiras no combate às pragas e fungos que podem atingir a plantação.
Os efeitos do uso do agrotóxico na saúde foram bastante relembrados, assim como a necessidade da produção de alimentos saudáveis e o resgate de práticas integradas e naturais de saúde, características dos povos do campo. Por fim, os presentes apontaram propostas de trocas de informações com os técnicos do MST nos povoados, sítios e assentamentos.
Durante a roda de conversa de Troca de Experiências em Educação do Campo, o tema central debatido foi sobre a importância de ocupar o latifúndio do conhecimento e a educação como um direito de todos, bem como a necessidade de uma educação voltada aos interesses da classe trabalhadora principalmente do campo.

Estiveram presentes as experiências do MST com a apresentação pelo/as assentados/as das Escolas Itinerantes, Saberes da Terra e Ciranda Infantil além da pedagogia construída a partir das experiências durante a trajetória do movimento, a experiência da Escola Agrícola São Francisco de Assis - Junqueiro, apresentada pelo estudante do PROCAMPO José Aldo. Apresentando a experiência do PROCAMPO, as estudantes Claudiene da Hora e Josefa e a Experiência de Formação continuada para agricultores com base no uso de produtos orgânicos, conservação de sementes, sementes crioulas, recursos hídricos, cuidados com o meio ambiente e Educação Financeira, pela estudante do Regina.
A estudante Aparecida Porto relatou a experiência do projeto “Conhecendo nosso município” – Coité do Nóia e por último a experiência “Ação – Formação em Educação Contextualizada e agroecologia – Juventude e Desafios”. A Professora Ivana (UNEAL - PROCAMPO) ajudou a mediar o debate ressaltando a importância dos momentos de troca de experiência e do trabalho coletivo.
Para finalizar as atividades no terceiro dia foi realizada a oficina de Teatro do Oprimido, com o professor e militante Gladyson na qual os participantes vivenciaram a prática do teatro do invisível, baseada na obra de Augusto Boal.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
 
A reflexão acerca do papel do homem e da mulher no projeto de um desenvolvimento sustentável que proponha outras formas de relação entre os seres humanos e com a natureza é urgente nos tempos atuais.
Ao longo da história a humanidade tem produzido os meios para sua sobrevivência, no entanto, o modelo de produção engendrado nas relações sociais e na base da economia, tem colocado em cheque a sua própria existência. Trazendo à pauta a finitude dos recursos naturais, além da própria necessidade de construção de um modelo de produção pautado em bases agroecológicas, de soberania alimentar, no qual o ar, a água, os solos, ecossistemas e espécies não sejam tomados como meios para acumulação indiscriminada e particular de riqueza.
Por fim, em tempos em que a universidade pública brasileira e a ciência podem ser um instrumento a reprodução ou transformação da sociedade, é importante que os professores-estudantes do PROCAMPO tenham em suas perspectivas a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e busquem olhar para dentro de sua realidade, aos lados, por trás e, sobretudo, enxergar o que não se vê através do que se toca.
Enfrentar o desafio de buscar uma análise do ponto de vista materialista histórico, compreender a realidade em que estamos inseridos, ir além do aparente, além do território, do sustentável, da participação, do diálogo, da comunidade, da diversidade, além da uma única dimensão e disseca-la em busca de sua essência. Para então buscar uma movimentação, tática e estratégica, de intervenção sempre vinculada as mudanças concretas na vida das pessoas e em sua própria formação.
A formação dos educadores do campo deve estar essencialmente vinculada às transformações necessárias para a construção de uma sociedade mais justa. Nesse sentido, os estudantes avaliaram a experiência como uma rica troca de saberes, e de acúmulo de novos conhecimentos. A aproximação com os movimentos sociais é fundamental na articulação entre as populações do campo e com a cidade, portanto na formação do educador do campo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KOLLING, E. J.; Nery, I.; Molina, M. C. Por uma educação básica do campo (memória). Brasília: Articulação Nacional por uma Educação do Campo, 1999.b
NETTO, José Paulo. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão Popular,
2011 (64p.)
RIBEIRO, Marlene. Pedagogia da alternância na educação rural/do campo: projetos em disputa
Educação e Pesquisa, Vol. 34, Núm. 1, enero-abril, 2008, pp. 27-45, Universidade de São Paulo. Brasil.
NOTAS IMPORTANTES
1 Por se tratar de uma experiência construída através da vivência coletiva e do acúmulo e história do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e da Equipe do PROCAMPO este relato tem caráter coletivo devendo ser creditado a estes sujeitos coletivos tendo apenas sido sistematizada neste texto.

2. Os movimentos sociais do campo são considerados os sujeitos originários do conceito de educação do campo. Para ver mais sobre a história da educação do campo ver: Caldart, Roseli Salete. Educação do Campo: notas para uma análise de percurso. 2008 e ALENTEJANO, Paulo. CALDART, Roseli, BRASIL, Isabel FRIGOTTO, Gaudêncio. Dicionário da Educação do Campo. Expressão Popular, 2012. 


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