Texto enviado pela Profa. Luana Pommé que esteve presente no Encontro Unitário dos Trabalhadores e Trabalhadoras e povos do Campo, das Águas e das Florestas realizado nos últimos dias 20 a 22 de agosto em Brasília.
Declaração
do Encontro Nacional Unitário de Trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo
das águas e das florestas.
Por Terra, Território e Dignidade!
Após séculos de opressão e resistência,
“as massas camponesas oprimidas e exploradas”, numa demonstração de capacidade
de articulação, unidade política e construção de uma proposta nacional, se
reuniram no “I Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas
sobre o caráter da reforma agrária”, no ano de 1961, em Belo Horizonte. Já
nesse I Congresso os povos do campo, assumindo um papel de sujeitos políticos,
apontavam a centralidade da terra como espaço de vida, de produção e identidade
sociocultural.
Essa unidade e força política
levaram o governo de João Goulart a incorporar a reforma agrária como parte de
suas reformas de base, contrariando os interesses das elites e transformando-se
num dos elementos que levou ao golpe de 1964. Os governos golpistas
perseguiram, torturaram, aprisionaram e assassinaram lideranças, mas não
destruíram o sonho, nem as lutas camponesas por um pedaço de chão.
Após décadas de resistência e
denuncias da opressão, as mobilizações e lutas sociais criaram condições para a
retomada e ampliação da organização camponesa, fazendo emergir uma diversidade
de sujeitos e pautas. Junto com a luta pela reforma agrária, a luta pela terra
e por território vem afirmando sujeitos como sem terra, quilombolas, indígenas,
extrativistas, pescadores artesanais, quebradeiras, comunidades tradicionais,
agricultores familiares, camponeses, trabalhadores e trabalhadoras rurais e
demais povos do campo, das águas e das florestas. Neste processo de
constituição de sujeitos políticos, afirmam-se as mulheres e a juventude na
luta contra a cultura patriarcal, pela visibilidade e igualdade de direitos e
dignidade no campo.
Em nova demonstração de
capacidade de articulação e unidade política, nós homens e mulheres de todas as
idades, nos reunimos 51 anos depois, em Brasília, no Encontro Nacional Unitário
de Trabalhadores e Trabalhadoras, Povos do Campo, das Águas e das Florestas,
tendo como centralidade a luta de classes em torno da terra, atualmente
expressa na luta por Reforma Agrária, Terra, Território e Dignidade.
Nós estamos construindo a unidade em resposta aos desafios da
desigualdade na distribuição da terra. Como nos anos 60, esta desigualdade se
mantém inalterada, havendo um aprofundamento dos riscos econômicos, sociais,
culturais e ambientais, em conseqüência da especialização primária da economia.
A primeira década do Século XXI revela
um projeto de remontagem da modernização conservadora da agricultura, iniciada
pelos militares, interrompida nos anos noventa e retomada como projeto de
expansão primária para o setor externo nos últimos doze anos, sob a denominação
de agronegócio, que se configura como nosso inimigo comum.
Este projeto, na sua essência, produz
desigualdades nas relações fundiárias e sociais no meio rural, aprofunda a
dependência externa e realiza uma exploração ultrapredatória da natureza. Seus
protagonistas são o capital financeiro, as grandes cadeias de produção e
comercialização de commodities de
escala mundial, o latifúndio e o Estado brasileiro nas suas funções
financiadora – inclusive destinando recursos públicos para grandes projetos e
obras de infraestrutura – e (des)reguladora da terra.
O projeto capitalista em curso no Brasil
persegue a acumulação de capital especializado no setor primário, promovendo
super-exploração agropecuária, hidroelétrica, mineral e petroleira. Esta super-exploração,
em nome da necessidade de equilibrar as transações externas, serve aos
interesses e domínio do capital estrangeiro no campo através das transnacionais
do agro e hidronegócio.
Este projeto provoca o esmagamento e a
desterritorialização dos trabalhadores e trabalhadoras dos povos do campo, das
águas e das florestas. Suas conseqüências sociais e ambientais são a não
realização da reforma agrária, a não demarcação e reconhecimento de territórios
indígenas e quilombolas, o aumento da violência, a violação dos territórios dos
pescadores e povos da floresta, a fragilização da agricultura familiar e
camponesa, a sujeição dos trabalhadores e consumidores a alimentos contaminados
e ao convívio com a degradação ambiental. Há ainda conseqüências socioculturais
como a masculinização e o envelhecimento do campo pela ausência de
oportunidades para a juventude e as mulheres, resultando na não reprodução
social do campesinato.
Estas conseqüências foram agravadas pela
ausência, falta de adequação ou caráter assistencialista e emergencial das
políticas públicas. Estas políticas contribuíram para o processo de
desigualdade social entre o campo e a cidade, o esvaziamento do meio rural e o
aumento da vulnerabilidade dos sujeitos do campo, das águas e das florestas. Em
vez de promover a igualdade e a dignidade, as políticas e ações do Estado,
muitas vezes, retiram direitos e promovem a violência no campo.
Mesmo gerando conflitos e sendo inimigo
dos povos, o Estado brasileiro nas suas esferas do Executivo, Judiciário e
Legislativo, historicamente vem investindo no fortalecimento do modelo de
desenvolvimento concentrador, excludente e degradador. Apesar de todos os
problemas gerados, os sucessivos governos – inclusive o atual – mantêm a opção
pelo agro e hidronegócio.
O Brasil, como um país rico em terra, água, bens
naturais e biodiversidade, atrai o capital especulativo e agroexportador,
acirrando os impactos negativos sobre os territórios e populações indígenas,
quilombolas, comunidades tradicionais e camponesas. Externamente, o Brasil vem
se tornando alavanca do projeto neocolonizador, expandindo este modelo para
outros países, especialmente na América Latina e África.
Torna-se indispensável um projeto de
vida e trabalho para a produção de alimentos saudáveis em escala suficiente
para atender as necessidades da sociedade, que respeite a natureza e gere
dignidade no campo. Ao mesmo tempo, o resgate e fortalecimento dos
campesinatos, a defesa e recuperação das suas culturas e saberes se faz
necessário para projetos alternativos de desenvolvimento e sociedade.
Diante
disto, afirmamos:
1)
a reforma agrária como política essencial de
desenvolvimento justo, popular, solidário e sustentável, pressupondo mudança na
estrutura fundiária, democratização do acesso à terra, respeito aos territórios
e garantia da reprodução social dos povos do campo, das águas e das florestas.
2)
a
soberania territorial, que compreende o poder e a autonomia dos povos em
proteger e defender livremente os bens comuns e o espaço social e de luta que
ocupam e estabelecem suas relações e modos de vida, desenvolvendo diferentes
culturas e formas de produção e
reprodução, que marcam e dão identidade
ao território.
3)
a
soberania alimentar como o direito dos povos a definir suas próprias políticas
e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos que
garantam o direito à alimentação adequada a toda a população, respeitando suas
culturas e a diversidade dos jeitos de produzir, comercializar e gerir estes
processos.
4)
a
agroecologia como base para a sustentabilidade e organização social e produtiva
da agricultura familiar e camponesa, em oposição ao modelo do agronegócio. A
agroecologia é um modo de produzir e se relacionar na agricultura, que preserva
a biodiversidade, os ecossistemas e o patrimônio genético, que produz alimentos
saudáveis, livre de transgênicos e agrotóxicos, que valoriza saberes e culturas
dos povos do campo, das águas e das florestas e defende a vida.
5)
a
centralidade da agricultura familiar e camponesa e de formas tradicionais de
produção e o seu fortalecimento por meio de políticas públicas estruturantes,
como fomento e crédito subsidiado e adequado as realidades; assistência técnica
baseada nos princípios agroecológicos; pesquisa que reconheça e incorpore os
saberes tradicionais; formação, especialmente da juventude; incentivo à cooperação, agroindustrialização e
comercialização.
6)
a
necessidade de relações igualitárias, de reconhecimento e respeito mútuo,
especialmente em relação às mulheres, superando a divisão sexual do trabalho e
o poder patriarcal e combatendo todos os tipos de violência.
7)
a
soberania energética como um direito dos povos, o que demanda o controle social
sobre as fontes, produção e distribuição de energia, alterando o atual modelo
energético brasileiro.
8)
a
educação do campo, indígena e quilombola como ferramentas estratégicas para a
emancipação dos sujeitos, que surgem das experiências de luta pelo direito à
educação e por um projeto político-pedagógico vinculado aos interesses da
classe trabalhadora. Elas se contrapõem
à educação rural, que tem como objetivo auxiliar um projeto de agricultura e
sociedade subordinada aos interesses do capital, que submete a educação escolar
à preparação de mão-de-obra minimamente qualificada e barata e que escraviza
trabalhadores e trabalhadoras no sistema de produção de monocultura.
9)
a
necessidade de democratização dos meios de comunicação, hoje concentrados em
poucas famílias e a serviço do projeto capitalista concentrador, que criminalizam os movimentos e organizações
sociais do campo, das águas e das florestas.
10)
a
necessidade do reconhecimento pelo Estado dos direitos das populações atingidas
por grandes projetos, assegurando a consulta livre, prévia e informada e a
reparação nos casos de violação de direitos.
Nos comprometemos:
1.
a
fortalecer as organizações sociais e a
intensificar o processo de unidade entre os trabalhadores e trabalhadoras,
povos do campo, das águas e das florestas, colocando como centro a luta de
classes e o enfrentamento ao inimigo
comum, o capital e sua expressão atual no campo, o agro e hidronegócio.
2.
a
ampliar a unidade nos próximos períodos, construindo pautas comuns e processos
unitários de luta pela realização da reforma agrária, pela reconhecimento,
titulação, demarcação e desintrusão das terras indígena, dos territórios
quilombolas e de comunidades tradicionais, garantindo direitos territoriais,
dignidade e autonomia.
3.
a
fortalecer a luta pela reforma agrária
como bandeira unitária dos trabalhadores e trabalhadoras e povos do
campo, das águas e das florestas.
4.
a
construir e fortalecer alianças entre sujeitos do campo e da cidade, em nível
nacional e internacional, em estratégias de classe contra o capital e em defesa
de uma sociedade justa, igualitária, solidária e sustentável.
5.
a
lutar pela transição agroecológica massiva, contra os agrotóxicos, pela
produção de alimentos saudáveis, pela soberania alimentar, em defesa da
biodiversidade e das sementes.
6.
a
construir uma agenda comum para rediscutir os critérios de construção, acesso,
abrangência, caráter e controle social sobre as políticas públicas, a exemplo
do PRONAF, PNAE, PAA, PRONERA, PRONACAMPO, pesquisa e extensão, dentre outras,
voltadas para os povos do campo, das águas e das florestas.
7.
a
fortalecer a luta das mulheres por direitos, pela igualdade e pelo fim da
violência.
8.
a
ampliar o reconhecimento da importância estratégica da juventude na dinâmica do
desenvolvimento e na reprodução social dos povos do campo, das águas e das
florestas.
9.
a
lutar por mudanças no atual modelo de produção pautado nos petro-dependentes,
de alto consumo energético.
10.
a
combater e denunciar a violência e a impunidade no campo e a criminalização das
lideranças e movimentos sociais, promovidas pelos agentes públicos e privados.
11.
a
lutar pelo reconhecimento da responsabilidade do Estado sobre a morte e desaparecimento
forçado de camponeses, bem como os direitos de reparação aos seus familiares,
com a criação de uma comissão camponesa pela anistia, memória, verdade e
justiça para incidir nos trabalhos da Comissão Especial sobre mortos e
desaparecidos políticos, visando a inclusão de todos afetados pela repressão.
Nós, trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas exigimos o redirecionamento das políticas e ações do Estado brasileiro, pois o campo não suporta mais. Seguiremos em marcha, mobilizados em unidade e luta e, no combate ao nosso inimigo comum, construiremos um País e uma sociedade justa, solidária e sustentável.
Brasília,
22 de agosto de 2012.
Associação das Casas Familiares Rurais
(ARCAFAR)
Associação das Mulheres do Brasil (AMB)
Associação Brasileira de Reforma Agrária
(ABRA)
Associação
Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF)
Articulação
Nacional de Agroecologia (ANA)
Articulação
dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Conselho
Indigenista Missionário (CIMI)
CARITAS Brasileira
Coordenação
Nacional dos Quilombolas (CONAQ)
Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)
Comissão
Pastoral da Pesca (CPP)
Comissão
Pastoral da Terra (CPT)
Central
dos Trabalhadores do Brasil (CTB)
Central
Única dos Trabalhadores (CUT)
Federação
dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB)
Federação
dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF)
FASE
Greenpeace
INESC
Movimento
Camponês Popular (MCP)
Movimento
das Mulheres Camponesas (MMC)
Movimento
das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTR-NE)
Movimento
dos Pequenos Agricultores (MPA)
Movimento
dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)
Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Movimento
Interestadual das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)
Oxfam
Brasil
Pastoral
da Juventude Rural (PJR)
Plataforma
Dhesca
Rede
Cefas
Sindicato
Nacional dos Trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (SINPAF)
SINPRO
DF
Terra
de Direitos
Unicafes
VIA
CAMPESINA BRASIL
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Boas vindas a todos/as que visitam nosso Blog!